O objetivo dessa Live realizada em 26/06 é trazer conhecimento para o nosso público, médicos neurocirurgiões, residentes, clientes e parceiros, sobre os protocolos da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia diante à pandemia.
Na Live realizada através das nossas redes sociais, o presidente da Sociedade – Dr. Luis A. Borba expõe as principais medidas que estão sendo tomadas na SBN devido a Covid-19 como telemedicina e cirurgias eletivas, além de informações relevantes sobre a atual situação da área. Trouxemos em forma de texto os principais trechos dessa entrevista para facilitar aqueles que não conseguiram assistir o vídeo.
Antes da gente começar com o tema principal falando dos protocolos da SBN diante a pandemia, eu gostaria que o Sr. falasse um pouquinho da sua história e trajetória, porque o Sr. escolheu a neurocirurgia?
Dr. Borba: Ihh tem tanta coisa! Rs… Eu sou gaúcho de Bagé (costa da fronteira), fiz a faculdade em Pelotas e lá tem o internato que a gente chama, que são os alunos do 4º ano que eu tive contato com a neurologia e neurocirurgia. A partir daí, eu comecei a me dedicar e gostar muito da área mais pelo desafio, que na época era final da década de 80 por aí… Era uma coisa muito nova! Eu tive a oportunidade de fazer o último ano da faculdade no Uruguai, que era totalmente voltado para a neurologia e neurocirurgia e ali eu me encontrei. Sou um apaixonado pelo que faço, apaixonado pela neurocirurgia. E é um desafio a cada dia, cada dia é mais uma coisa nova, eu digo que a neurocirurgia é que nem a 3ª idade , que tu pode sair de casa e voltar com flores, essas flores pode representar uma glória ou pode representar uma derrota e isso é o que faz um neurocirurgião viver o dia a dia, neurocirurgia é uma especialidade em que a paixão toma conta de tudo.
Primeiro você tem que ser apaixonado pelo o que faz, segundo dedicado no que faz, isso que faz a diferença nas pessoas, é isso que fazem toda profissão. Se tu for apaixonado pelo que tu faz e se dedicar, você vai se dar bem! Não importa a profissão que você tiver, o resto…. Vem de uma maneira maior ou menor, mas o mais importante é ser feliz! Eu me sinto feliz no que eu faço, eu sou neurocirurgião e adoro a neurocirurgia, adoro dar aula, adoro operar.
Essa era até a minha próxima pergunta, com tantos anos de experiência, de alguma forma (talvez) já tivesse vivenciado de tudo da neurocirurgia e de repente o Sr. se vê com todos os méritos por ser o presidente da SBN mas com todos os desafios também, diante a uma pandemia. Isso deve estar sendo um desafio dobrado para o Sr. Como está sendo gerir a SBN nesse meio?
Dr. Borba: Na realidade, a grande questão não é gerir na pandemia, é a mudança de paradigma, mudança de projetos. Quando nós assumimos, nós tínhamos alguns projetos que era levar a neurocirurgia brasileira ou mostrar a neurocirurgia brasileira para os brasileiros, para a população de uma maneira geral. E ano passado nós criamos um projeto que se chama “Caravanas” onde nós somos vários Estados, este ano nós tínhamos treze caravanas montadas, o que seria? Os neurocirurgiões da região e do organismo do programa científico fazem reuniões com a sociedade e mostra realmente o que é feito de bom na sua sociedade, porque muitas vezes a gente fica pensando “ahh eu só tenho cirurgião bom no Estado XYZ “, mas na realidade muitas vezes tem gente muito boa ao seu lado, que está ajudando a comunidade e ajudando a sociedade.
Isso nós tínhamos planejado, estava tudo organizado para começar em janeiro (de novo), e em Janeiro nós fomos para os Estados Unidos com os 20 melhores residentes, com as notas mais altas, repetimos o mesmo programa no final de Fevereiro, os residentes mais graduados aqueles que tiveram as melhores notas e em março, veio a pandemia.
O que aconteceu, a neurocirurgia a maioria dos profissionais tem uma faixa etária um pouco mais elevada, e muitos não estavam diretamente na linha de frente do combate a pandemia mas… Os nossos pacientes são pacientes muito graves, muitos deles não podem esperar, o paciente que têm tumor cerebral, que tem um aneurisma arroto, que tem um acidente vascular cerebral hemorrágico, esse paciente não pode esperar. Então a neurocirurgia não pode parar, porque independente do que possa acontecer, a nossa uma principal função de médico é tratar as pessoas, salvar a vida das pessoas, e o neurocirurgião é quem tem essa função 24 horas por dia.
E o que aconteceu foi que a sociedade inteira, a neurocirurgia inteira do Brasil ficou estagnada! Nós vimos por exemplo procedimentos neurocirúrgicos das patologias da coluna vertebral, cair em torno de 85 a 90%, uma patologia extremamente recorrente e de alto benefício tanto para os pacientes, quanto benefício social. Imagina uma família que tem uma criança ou um adulto epilético e tem crises convulsivas que já estava com a sua cirurgia planejada, toda esperança gerada para aquilo e tem que parar, o mundo muda completamente. Pacientes com doença de parkinson que precisavam instalar os novos sistemas para melhorar a qualidade de vida, tiveram que parar. Então isso mudou muito a vida não só da função do neurocirurgião, mas principalmente dos próprios pacientes… Graças a Deus, as coisas estão começando a voltar, mas nós ainda estamos vendo algumas situações que foi gerada na realidade nessa pandemia, primeiro que ninguém sabia nada de nada, essa é a grande verdade! Os americanos não sabiam, os ingleses não sabiam, os italianos não sabiam e os chineses se sabiam, esconderam.
Então ninguém sabia nada! Então nós começamos em Março com aquele terror inteiro que todo mundo tinha que ficar em casa, a primeira semana todo mundo contente, a segunda semana como foi prolongando e a situação foi ficando sob controle, porque eu moro no Paraná, aqui em Curitiba e para nós a pior semana de Curitiba foi essa semana que passou.
Nas últimas 72 horas duplicou o número de casos na cidade de Curitiba e nós vamos piorar mais porque vai vir agora o inverno, então essa a diferença faz com que como o Brasil é um país continental, é difícil avaliar essas regiões como é que está funcionando um lado , como é que funciona no outro.
Sim, inclusive uma das minhas perguntas para é se o Sr. via uma perspectiva, uma data, por exemplo, uma normalização do ritmo de cirurgias frente a essa flexibilização do isolamento, então o Sr já me respondeu que se a gente continuar nesse ritmo muito provavelmente o ritmo das cirurgias também não vão se normalizar nem tão cedo né, pelo contrário!
Dr. Borba: O que acontece é que é muito regional, por exemplo, tem áreas que já está melhorando outras áreas que vai piorar e vai piorar mais. O Brasil é um continente, talvez o grande erro foi ter feito tudo uma maneira global como se nós fossemos uma coisa só. A Itália é um “Estadinho” nosso, aquele monte de gente e nós uma população muito maior, uma área muito maior… Então, em cada região nós fizemos uma pesquisa agora com os residentes do quinto ano, a grande maioria deles teve uma diminuição na produção, mas o número de cirurgias que aconteceu foi uma mudança. Cirurgias da coluna vertebral, cirurgias funcionais e todas as cirurgias de epilepsia… Isso desapareceu, mas continua a cirurgias oncológicas, de acidente vascular, os aneurismas… Esses continuam altamente chegando.
Antes de chegar nesse tema Dr, eu tinha perguntado para o Senhor como está sendo gerir a SBN diante a pandemia porque a SBN ao longo desses 60 anos, sempre teve como missão e valores a questão de trazer conhecimento ao neurocirurgião, treinamento, capacitação, formação do neurocirurgião… Então, vocês devem estar tentando achar uma série de situações e alternativas para suprir essa falta dos encontros presenciais, como o Sr. falou da caravana, o maior congresso brasileiro foi cancelado esse ano aliás, foi prorrogado. Mas não teremos o congresso esse ano, o que tem déficits enormes tanto para os médicos quanto para as para as indústrias, quais ferramentas vocês têm utilizado Dr., para tentar suprir essa questão da ausência presencial?
Dr. Borba : Na realidade, a pandemia nos ensinou muitas coisas e nós aprendemos (talvez) nós somos a primeira sociedade no mundo que começou a organizar o chamado “webinars” ou melhor, a única sociedade por si só que fez um programa educacional baseado em webinar. Onde só brasileiros começou em 21 de abril, nós começamos quando começou aquela confusão toda, todo mundo parado, todo mundo trancado em casa e pensei “vou ter que fazer alguma coisa”… Entrei em contato com o pessoal da WDCom que nos ajuda muito e que foram fundamentais, e nós começamos com uma brincadeira: “vamos fazer alguma coisa” e “o que que eu vou fazer?” neurocirurgião gosta muito de anatomia, então nós fizemos o “Anatomy week” uma semana de aula 6 horas da tarde, uma hora sobre um tema específico. O primeiro dia foi em português, nós tínhamos uma reunião no Zoom para 250 pessoas e ele estourou no meio da aula e tivemos que passar para 500, no segundo dia nós tivemos que trocar o idioma.
Nós passamos para 1000 pessoas direto pelo YouTube e mais de 300 a 400 pessoas online ao mesmo tempo e passou a ser em inglês, o que aconteceu? Nossos webinars começaram com uma maneira de descontrair e se transformou num programa de ensino mundial. Nós temos hoje mais de 100 países que já participaram, é incrível!
Que legal! Uma super adesão! Então foi super positivo e acho que até pela questão tempo, muitos médicos agora com essa questão de mudança de rotina, diminuiu o número de cirurgias eletivas, também tem um pouco mais de tempo para expandir o conhecimento e participar desse tipo de conteúdo, né? Como não estão existindo esses presenciais, é uma forma importante de trocar experiências… Então esses webinars vieram por conta da pandemia, eles foram criados já nesse cenário?
Dr. Borba: Tínhamos uns webinars que eram aulas específicas, que se fazia para os residentes mas tinha 30/40 pessoas… Hoje já está todo mundo fazendo, mas hoje nós estamos tendo em média 600/700 pessoas… Nós chegamos a ter até 1.500 pessoas online ao mesmo tempo, aí começou as concorrentes e a coisa mudou. O mais importante de tudo isso é que primeiro houve uma integração, pessoas que passaram a entrar online a gente conversa … É a maneira que nós fizemos nossa gestão na SBNé um pouco mais do meu jeito (na amizade, com mais tranquilidade)… Vamos deixar o lado formal de lado e sermos um pouco informal. Isso fez com que a gente participasse de todos os lugares e pessoas que a gente imaginava que nunca participariam, professores dos EUA pedindo para entrar online… Uma “maluquice” de tudo e qualquer país… Então foi muito bacana!
O que me chamou atenção, foi o seguinte… O mundo e os congressos não vão ser mais iguais, por um motivo. Não vão ser mais iguais porque hoje nós temos a tecnologia para poder trazer um professor dos EUA, ele vai dar uma aula online aqui para nós e ele vai continuar no seu trabalho, na sua rotina, entende? Hoje os próprios congresso online tu vai conseguir vender o produto, nós temos condições de fazer congressos online em que tenha o Stand onde você vai clicar no produto e vai aparecer o produto, o que (claro) o que não vai existir essa relação direta… Então a tendência é que esses congressos a grande maioria deles ou se tornem 100% online ou no mínimo híbridos, aquele processo público, isso realmente vai diminuir né?
O Congresso Nacional de Nefrologia, eles não mudaram a data esse ano, achei uma informação bem interessante porque eles mantiveram a data e vai ser 100% virtual. Já estão começando esses testes o que eu acho muito conveniente em vários fatores também. Eu me lembro há poucos anos eram tantos congressos no ano, que era uma dificuldade! Acho que existe uma dificuldade muito grande para o médico também se deslocar, é uma indústria que isso move e obviamente as famílias viajavam junto com os médicos, acho que nada tira essa importância da experiencia do networking, de pegar um produto na mão para poder manusear e para saber o que a indústria está trazendo. Mas concordo com esse tipo de alternativa !e o que me chamou muita atenção no congresso de Nefro que eles já vão fazer esse teste 100% online seguindo até o que o Sr. comentou como tendência.
Dr. Borba: Daqui duas semanas vai ter o congresso da sociedade de neurocirurgia do Estado de São Paulo chamado “NeuroWeek”, vai ter um intervalo distante, intervalo da propaganda, vai ter o intervalo das pessoas… Claro! Essa socialização sempre vai existir, nós somos latinos! A importância das pessoas estarem próximas e da própria vida da pessoa, porque a pessoa não vai viver isolada falando no celular… O relacionamento é muito importante e não vai deixar existir, isso é fundamental!
Inclusive falando dessas ferramentas, eu vi o diretório que vocês fizeram do Coronavírus com um compilado de informações e achei super bacana! Uma forma de trazer informação, é aberto ou seja, a população como um todo pode ter acesso às informações, os neurocirurgiões… E esse diretório Dr. ele recebe também, por exemplo, estudos que estão em andamento no Brasil, médicos compartilham com vocês essas questões que envolvem a Covid em questões neurológicas, o que pode afetar o sistema nervoso ou isso ainda não começou a acontecer aqui?
Dr. Borba: Tem tanta gente falando tanta coisa… Nunca se sabe o que é verdade! São muitas informações. A própria infecção por si só tem vários distúrbios neurológicos, e principalmente distúrbios trombóticos, tem muito paciente com derrame, AVC com várias complicações. Tem caso de meningite, tem casos de meningoencefalite como todo o vírus. A questão é a seguinte… Nesse Covid cada dia tem uma forma de apresentação diferente que está todo mundo meio perdido até hoje.
O bom do Brasil foi que o vírus chegou depois e a gente já conhece alguma coisa da história da doença, de como que a doença se comporta. Então provavelmente o tratamento que está sendo feito no Brasil vai ser mais adequado do que os italianos receberam, porque eles foram os primeiros depois dos chineses que tiveram o contato e eles estavam completamente sem chão. Os EUA também foram pegos de surpresa então, nós estamos aprendendo com as experiências do outro mas o mais importante nessa época de Coronavírus é a conscientização do povo, da população a conscientização dos próprios profissionais da saúde que são os mais afetados.
Tem uma coisa importante do Covid que é o seguinte: Eu posso ter contato com uma pessoa que teve ou está com Coronavírus, se eu tiver uma carga viral pequena eu posso ser um assintomático ou provavelmente eu vou ter um Covid de menor intensidade. A gente ouve falar de médicos falecendo, enfermeiros, assistentes… O pessoal que trabalha no hospital porque eles têm contato com aquela carga viral, então o que nós temos que trabalhar muito é tentar conscientizar as pessoas.
A primeira coisa que nós fizemos em termos de Covid e SBN para proteger a nossa população, nós fizemos um apelo aos neurocirurgiões porque tem muitos neurocirurgiões que ainda fazem plantão acima dos 60 anos, alguns fazem plantão por necessidade financeira mas a grande maioria, porque a vida dele foi de operar os pacientes…Então aquilo ali é o dia a dia dele. Então nós fizemos um apelo a toda a sociedade neurocirúrgica para que os neurocirurgiões que fossem acima dos 60 anos que tivessem comorbidades, que os mais jovens ocupassem a vaga dele nos plantões para que ele pudesse resolver . Por incrível que possa parecer quase 100% dos casos houve essa união/adesão incrível.
Que interessante Dr! Eu tive acesso a última revista da SBN Hoje que o Sr. falou uma frase que eu achei espetacular: “Mais do que heróis no presente, nós temos que nos preparar para sermos os soldados do futuro” e acho que tem muito a ver com essa cautela que o Sr. está mencionando, muito importante para a gente não perder nem a força de trabalho e também, para a linha de frente não ser mais um agente transmissor, eu achei muito legal e até pedir para o Sr. citar essas recomendações, essa questão da troca de plantão com os mais velhos… Tem mais alguma coisa que a SBN possui? Algum guia específico para o neurocirurgião nessa situação?
Dr. Borba: A primeira cirurgia em que houve contaminação de todo o corpo clínico que estava no ato operatório, foi uma cirurgia de tumor de hipófise que é feita pelo nariz … Tinha 14 pessoas na sala, os 14 foram infectados. Então por exemplo, nós largamos uma normativa específica sobre cirurgia dos tumores pituitários que é uns tumores de hipófise (que crescem no meio) e o paciente tem alterações hormonais, tem déficit visual, tem hipertensão intracraniana e muitas vezes esses pacientes precisam ter uma descompressão rápida do nervo óptico para que se preserve ou recupere a visão.
Então seguindo os protocolos que começou pela academia inglesa, nós elaboramos o protocolo relacionado para a neurocirurgia brasileira para não se preocuparem muito com esse tipo de abordagem e as cirurgias que pudessem ser postergadas, que sejam postergadas desde que o paciente não seja prejudicado. É como sempre eu digo, a primeira função do médico é cuidar do paciente. A segunda, a terceira e a décima é cuidar do paciente…Então sempre fazer o melhor para o paciente.


Eu imagino que a maior dúvida hoje entre os médicos seja exatamente frente aos riscos… Devo ou não operar nesse momento, né? Existe Dr. um guia que eu vi, alguma coisa quanto a reivindicações da SBN e da SBOT junto a ANS, para tentar delimitar quais são os procedimentos que são passíveis de serem prorrogados, aqueles que não são prioritários… Isso já existe Doutor?
Dr. Borba: Nós fizemos junto com a SBOT e a Sociedade Brasileira de Coluna e também funcional, todos os procedimentos nós estratificamos, então procedimentos que tem que ser feitos de forma emergencial, por exemplo, de um paciente que tem um tumor cerebral, que tem um aneurisma cerebral, que tem um quadro intracerebral… Todos são patologias que devem ser realizados. Paciente que tem uma lesão ou compressão medular, que tem o risco de ter um déficit… São cirurgias que devem ser realizadas, existe o procedimento que são considerados eletivos. Eletivos e neurocirurgião é uma palavra muito difícil, porque eletivo, quando o paciente tem muita dor talvez não seja eletivo… Eletivo quando o paciente tem muita crise convulsiva talvez não seja eletivo… A interpretação é fundamental. Então nós entramos em contato e mandamos para a OMS tivemos uma boa resposta deles, mas infelizmente, isso é interpretação!
O fato mais importante que é a resposta que nós tivemos da OMS, que é o que mais nos norteiam nas decisões é a decisão sobre cirurgia eletiva, sobre cirurgia de emergência ou deurgência e que tipo de procedimento deve ser feito, cabe ao médico. Ele que é o responsável por decidir se é emergência ou não é emergência. Não é o plano de saúde, não é o hospital, não é ninguém. É o médico que é o responsável pelo paciente. Então é fundamental essa conscientização dos médicos da sua posição.
Tem pacientes que estão sofrendo muito! Se esse paciente quer que o seu procedimento seja feito, não somos nós que vamos ser contra isso já que ele tem indicação. Nós somos contra a indicação errada, nós somos contra indicar o procedimento de forma errada ou precipitada, isso nunca vai ter o apoio da sociedade. Quando a indicação for correta, o material solicitado for correto e o paciente for o grande beneficiário, a sociedade vai estar sempre ao lado de seus associados e eu acho que toda a entidade médica tem que estar ao lado da pessoa que passa isso, é fundamental! Nunca deixar nas mãos de terceiros, por que se depois eu deixei de fazer o procedimento e aconteceu alguma coisa quem é o culpado? O médico!
Dr. e no caso em que o médico assume que é importante para o paciente ser operado por exemplo, e o convênio restringe ou nega essa cirurgia. Isso pode acontecer também?
Dr. Borba: Hoje isso pode acontecer, e realmente acontece em algumas situações, mas isso é uma decisão que chega ao ponto que a gente tem até que judicializar (se for o caso), mas nós não queremos isso, nunca apoiamos acho que a melhor maneira de resolver qualquer situação é uma boa conversa.
Mas o fator mais importante é o paciente. A negativa de um procedimento isso não cabe ao auditor e ele não tem como negar o procedimento, ele pode sugerir que o procedimento seja feita de outra forma, mas se o médico assistente acredita que a melhor maneira de fazer aquele procedimento é com aquele material, é naquele momento e a paciente está ciente e aceita aquele procedimento, isso é função do médico sim. Hoje é isso! As pessoas interferindo no ato médico, que é pior coisa que pode acontecer, isso não pode acontecer. O responsável é o médico e o beneficiário é uma vida e uma vida perdida não tem volta, não adianta lamentar! Temos que evitar que cheguemos a esse ponto.
Sim Dr. sem dúvida. No caso das cirurgias pediátricas os protocolos são exatamente os mesmos? Porque a gente sabe que as cirurgias pediátricas representam 10 a 20% (talvez) das neurocirurgias e a gente sabe que as crianças são mais resistentes ao vírus, os protocolos são os mesmos de quais são as doenças que são aprovadas como prioritárias ou não existe uma flexibilização maior para cirurgias pediátricas?
Dr. Borba: O protocolo ele é baseado na doença não no Covid, se a doença existe e tem a necessidade de tratamento, ela tem que ser feito independente se é uma criança de 4 anos um Senhor de 60, porque quando se fala em proteção, não se fala em somente em proteção do paciente em si, o paciente está correndo risco, o médico está correndo o risco, a comunidade está correndo risco… Isso é uma proteção global, o vírus está em todo lugar! Ele pode afetar a mim, a ti e qualquer pessoa. Mas se existe a necessidade de um procedimento, ele tem que ser feito, claro!
Existem procedimentos em pediatria, por exemplo, que é craniostenose (que é quando a cabeça está muito fechada), a craniostenose ela parece eletiva… Vai abrir “o ossinho”… Uma mielomeningocele, que a criança nasce com um defeito na coluna e tem que ser corrigido de forma imediata, isso não pode esperar. Então, os procedimentos têm que serem feitos caso a caso e principalmente com critérios que não exponha nem o paciente, e nem a equipe médica. Como eu disse, nós não podemos ser os soldados agora e nós vamos resolver o mundo aqui e ali na frente nós vamos parar. A consciência da população, da equipe médica e a consciência de todos é a palavra principal. Conscientização de todos nós, isso é o mais importante.
Verdade. Doutor, eu gostaria de perguntar o que o Sr. acredita que vai mudar na medicina no pós-pandemia? Os ensinamentos, legados que isso tende a deixar?
Dr. Borba: Na medicina não digo que mude muito, na medicina talvez mude a maneira que as pessoas vão perceber as patologias, talvez a troca de informações entre os países têm que ser mais adequada. Os primeiros casos foram em novembro, em janeiro a OMS disse que isso não passava de humano para humano, em novembro já tinha casos… Então, acho que essa integração vai acontecer, os órgãos governamentais vão se conversar mais porque a Covid foi uma coisa muito interessante. Afetou o rico e o pobre, sabe por onde que ela começou? Pelo rico, pela classe média e pela classe média-alta, isso gera uma movimentação diferente.
Nós temos dengue no Brasil que mata tanto ou mais do que a Covid, mas isso a gente não vê na mídia. Nós tivemos em 2008 uma infecção viral também que matou 60 mil pessoas no Brasil, 60 mil pessoas documentadas! Então imagina se 2008 fosse a mesma situação… As Mídias Sociais democratizaram a informação tanto para o bem quanto para o mal, então isso fez com que tivesse essa revolução… Então nunca mais o mundo vai ser igual e eu acho que as pessoas vão dar mais valor à vida, porque não adianta trabalhar 24 horas muitas vezes só para ganhar um “dinheirinho a mais”, eu sou milionário etc… Olha o dono do Santander (uma das pessoas mais ricas do mundo) morreu de Covid. Então a importância de as pessoas aprenderem a fazer o que gosta e viver a vida como ela deve ser vivida, isso que é o mais importante.
Sim, valor para as coisas simples como sair na rua, como ir à padaria… Se a gente falar de coisas pequenas já é possível até valorizar, né? Falando da medicina Dr., você acredita que com essa oportunidade agora da telemedicina, ela tende a ser melhor vista e até mais utilizada? Porque a gente sabe que é uma dificuldade para muita gente (principalmente pela saúde pública) se locomover de um lado da cidade para longe para passar por uma consulta. Tratamentos que o SUS não aprova por exemplo, como a quimioterapia oral. O Sr. vê um horizonte para que coisas também positivas do ponto de vista da saúde passem a agregar para auxiliar a população?
Dr. Borba: A telemedicina ela chegou para ficar e quem não se adaptar a ela, está fora. Tem um problema… O que é o mais importante na relação médica, é uma relação médico-paciente. Muitos pacientes com tumores cerebrais vêm de vários locais do Brasil e eles querem fazer consulta pela internet (mandar exames etc.) eu até vejo os exames e converso. Mas quando ele olha no teu olho, isso não vai acabar. Eu acho que a telemedicina vai ser extremamente importante na relação médico-médico, na relação médico-paciente quando nós já conhecemos o paciente, por exemplo, eu tenho um paciente, em vez de ele vim precisar fazer uma reconsulta, pode ser feito por telemedicina.
Eu acredito que a primeira consulta ela vai ser um pouco difícil porque se nós acabarmos com a relação médico-paciente, vão acabar com a coisa mais importante que tem na medicina que é o cuidar da vida, a pessoa se relacionar. Ela só “abre a cabeça” com uma pessoa quando ele confia naquela pessoa e acredita que ela vai ajudar. Então, a relação médico-paciente isso nunca vai perder. E a telemedicina pode perder isso aí.
Mas estou vendo que tem muita batalha na telemedicina, médicos que estão sendo contra… Não tem que ser contra! Nós temos que nos adaptar à realidade, e a realidade ela vai crescendo cada vez mais e é muito boa. Já pensou? O “cara” faz o exame, manda o exame e tu vê… Dá um ganho de tempo enorme.
Ou seja, a telemedicina é muito interessante, é uma ferramenta que veio para ficar mas sendo utilizada da maneira adequada, né? Não perdendo a pessoalidade, o ganho de confiança entre paciente e médico porque isso é fundamental. Até análise do médico, anamnese, pegar o paciente e verificar, ver como ele anda, como ele fala, para o neurocirurgião isso deve ser fundamental.
Dr. Borba: Eu me lembro quando eu comecei na neurocirurgia quando eu estava no último ano da faculdade no Uruguai, tinha a parte neurológica muito grande, muito desenvolvida então tu não podias olhar o exame, a tomografia… Tinha que examinar o doente, fazer o diagnóstico da etimologia, qual era a síndrome que seria e a topografia (se a lesão está aqui) pelo exame neurológico, tu consegue diagnosticar, eu consigo com o exame neurológico do paciente se essa lesão está localizada na região do seio cavernoso, e tu faz o exame ele está lá. Claro, o paciente assintomático as vezes tu achas alguma coisa que não está assintomático… Mas esse comportamento ainda é fundamental, e com o paciente essa relação é fundamental. Isso não pode ser substituído.
A tecnologia tem que ser usada obviamente a favor, mas com equilíbrio. Dr. eu não queria deixar de fazer duas perguntas para o Sr., saindo um pouquinho do assunto Covid, o Sr. está tendo experiência de dois anos à frente da SBN, deve ter tomado uma série de decisões, implementações… Eu queria saber qual foi a sua maior realização como presidente da SBN?
Dr. Borba: Educar as pessoas, eu acho que a coisa mais importante que tem na vida é educar. Eu sentia nos últimos anos que a medicina estava tomando um rumo diferente, que o paciente estava por um lado, o médico perdido no meio, muitas vezes extremamente mal remunerado, outro lado indo para o lado comercial, muitas vezes voltando para um lado não correto.
Esses dois anos mostrar que nós temos que educar as pessoas, educar na sua formação, fazer a formação do médico residente, fazer a formação dos médicos, para que nós possamos crescer sempre, sempre se desenvolvendo. Eu acho que eu sempre acreditei que tudo na vida se resolve com educação e eu funciono assim…Primeiro eu gosto de transmitir nas aulas que eu sempre dou, eu gosto de transmitir que eu estou fazendo aquilo que eu gosto, se eu sou apaixonado pelo que eu faço, eu não acredito que uma pessoa que faça cinco anos de neurocirurgia possa fazer aquela residência sem ser o apaixonado por o que ele faça.
Em toda a profissão a gente tem que ser a paixão pelo que faz, segundo a dedicação … Então eu faço o que eu gosto, eu gosto de transmitir isso para as pessoas, eu gosto quando viajo e dou as aulas, quando os jovens vem bater foto, os acadêmicos vem bater foto… É isso que nós fizemos nesses dois anos, nós tentamos educar as pessoas.
Então é isso que eu gosto de transmitir para as pessoas, eu não sou a pessoa mais correta do mundo, não existe a pessoa mais correta do mundo. Todo mundo erra… Em algumas situações tu erra querendo acertar e poucas vezes tu erra pensando que estaria fazendo correto porque tu acaba errando, mas isso faz parte da vida.


Então você falou da honestidade, de uma série de valores da educação, de ser apaixonado por aquilo que faz, e é isso que o Sr. quer deixar como legado da SBN?

Dr. Borba: Eu quero que os neurocirurgiões sintam orgulho de ser neurocirurgião, e eu quero que eles sejam felizes na sua profissão e eu quero que eles queiram crescer dia a dia porque a pessoa que não quer crescer não quer continuar evoluindo e acha que aquilo parou para ela, não precisa mais viver.
A pessoa tem que querer evoluir, isso eu transmito para as pessoas, eu quero que os residentes continuem se dedicando e que eles queiram cada dia ser melhor, a pessoa tem que querer ser melhor. Na neurocirurgia é um desafio a cada dia, como eu disse no começo “a neurocirurgia tu podes voltar para casa com um buquê de rosas de glória ou um buquê de rosas do fracasso”, isso depende só de ti, do teu treinamento, da tua dedicação. Um dia vai ser glória, um dia vai ser de fracasso, mas o outro dia virá! E nesse outro dia você vai continuar lutando para as coisas acontecerem.
E outra coisa que aconteceu eu até gostaria de agradecer a Micromar, o apoio que a indústria nacional tem dado a neurocirurgia brasileira, hoje nós temos produtos nacionais de altíssima qualidade, competindo no mercado nacional, competindo no mercado internacional, ouvindo o neurocirurgião para as suas necessidades, várias indústrias que competem entre si e que vai crescendo cada vez mais… Isso faz com que a neurocirurgia brasileira seja uma das mais valorizadas do mundo, não existe hoje, um grande congresso no mundo que não tenha um neurocirurgião brasileiro falando. Congresso americano, europeu… Sempre têm brasileiro falando.
Nós tivemos a pouco (infelizmente hoje ele não está muito bem de saúde) um dos maiores neurocirurgiões da história do mundo, que é o professor Dr. Evandro de Oliveira, ele mudou uma geração mundial, não mudou uma geração local. E nós como neurocirurgiões brasileiros nos sentimos muito orgulhosos de tentar seguir os passos dele e engatinhando para tentar chegar em algum lugar. Eu acho que isso é o mais importante de tudo.
Que legal Dr., linda mensagem para vida né? Muito bacana! Eu só queria antes da gente terminar, comentar aqui sobre uma história muito bonita que eu acompanhei na Live que o senhor fez no começo da semana, é sobre uma grávida que o Sr. operou… Eu fiz a pergunta para o Sr. do que te realizou mais com o presidente da SBN mas eu acho que essa questão dessa paciente deve ter sido uma das maiores realizações como profissional, como médico. O Sr. pode contar rapidinho para gente conhecer um pouco dessa história?
Dr. Borba: Uma paciente jovem, bonita, simpática… Que um dia passou mal (isso pode acontecer com qualquer um de nós) ela faz uma ressonância magnética e mostra o processo expansivo, enorme, pegando metade do lobo frontal em que era o fim de um começo e para completar, estava grávida. A cirurgia por si só, não era uma cirurgia complicada (perto das coisas que a gente faz), eu digo que a maior, uma das maiores satisfações que tive na minha vida porque ali que tu se sente médico de verdade, tu poder ajudar a pessoa, ver que a família estava destroçada, acabada e tu dá uma esperança , a esperança que eu tinha era “ vamos continuar essa geração”, vamos dar uma condição de vida para essa paciente, para que ela possa ter o filho e esse filho ser o futuro dessa família. Graças a Deus o homem lá de cima não sei se me iluminou ou iluminou a todos nós, porque nós fizemos o procedimento cirúrgico nela e hoje acho que faz uns 3 anos, uma patologia que teria teoricamente uma sobrevida de 1 ano e meio e a paciente hoje está super bem, o bebê cresceu, eu vejo umas fotos no Instagram e cada vez que eu falo disso eu me emociono porque essa é a função do médico, ajudar o paciente e quando se tem uma coisa dessa, isso é uma maluquice!
Dar essa esperança para as pessoas… Em neurocirurgia mais ainda! Eu sempre falo que eu gosto mais quando eu ganho um presente do que quando eu ganho dinheiro, e eu acredito é uma demonstração de carinho de agradecimento.
Live finalizada porque excedemos o tempo, mas nosso imenso agradecimento ao Dr. Luis A Borba que nos cedeu esse entrevista com tanta maestria.

** Entrevista realizada pela gerente de Marketing Micromar, Renata Serpejante.
** Conteúdo com pequenas alterações/ adaptações da versão original, para maior entendimento e objetividade dos temas abordados.